sábado, dezembro 31, 2005

2006

"Uma vez o Cony, retomando o velho assunto da falta de assunto, ensinou: “Se o tema ou a inspiração não vierem até a hora do fechamento, experimente o método digital.” Achei que era uma alusão à tecnologia digital, mas não: a alusão era ao dedo mesmo, como Cony esclareceu.

— O método digital consiste em se usar o dedo para digitar o teclado a esmo, uma letra, uma sílaba, uma não-palavra, uma quase-frase, sementes da crônica que logo será.

Pois digitei já palavras e sílabas fulas (e apaguei um bocado delas usando o método digital, o outro, que nos domina), e agora estou aqui tentando antever o último dia do ano, que é quando vai sair a crônica, e troco as sílabas tontas por palavras prontas, apresentáveis, embora ainda a esmo, para ver se delas nascem outras, quem sabe idéias inteiras também. Não sei se hoje, quando forem lidas as palavras, estará ou não o céu encoberto, mas imagino que a cidade, principalmente Copacabana, esteja plena de eletricidade, ventania quente e marejada, papéis voando nela, o farfalhar de folhas de castanheira, folhas vãs, muita gente n’areia, palavras da gente nos bares, vãs palavras, jeitão que só os últimos dias do ano (no Rio) têm — o Rio no último dia é um cartão de felicidades móvel dentro do qual a gente vive, mas é só nesse dia que a gente acredita mesmo que é feliz vivendo nele. Só neste dia é que não o jogamos fora, o Rio, nesse dia não cuspimos nele todo, não dizemos que vamos deixá-lo, o Rio que tanto tem feito por nós, o Rio, eu digo, e danem-se as administrações, as boas ou as más, que o Rio está muito além e acima delas — e apesar de o culparmos por tudo, é ele a vítima, é ele quem sofre, e mesmo assim é ele quem nos devolve ainda tanta vida e beleza que se vêem na gente pobre ou rica que, a despeito dos maus bofes, lhe é grata por ser Rio. Agora mesmo ainda é quinta e nem passei hoje por Copacabana mas só de falar nela parece que já lá estou, e era nela que pensava quando vinha de carro aqui para o jornal, pela Presidente Vargas, pois a coisa lá já estava assim, um tumulto alegre da gente na travessia dos sinais, gente em geral tristonha ensaiando sorrisos novos velhos, um negócio de esperança untando peles e olhos, e papel picado vindo sei lá de onde, de carros e de janelas, Presidente Vargas e papel picado, comícios, Tancredo, Diretas, Lula, Brizola, papel picado de 1970, na janela escura de Laranjeiras, uma luz forte vinda de um quadrado luminoso, televisão era isso, um quadrado de luz e só, nem imagem eu gravava dali na cabeça, mas só a alegria de todo mundo que olhava para o quadrado, todo mundo feliz, feliz com o Brasil, nem sei por quê, não vira nada, soube depois que era Pelé ali na luz, e Tostão e Carlos Alberto e Gérson, mas na hora eram só a luz no quadrado e o papel picado, e bastou. Em 2006, o Brasil vai ser campeão? Se for, será bonito assim, que nem a luz em 70? Ou que nem o que estava dentro da luz e eu não via mas o mundo inteiro chorava? Alguém hoje sabe o que é essa beleza, hoje, dentro da gente, de ser brasileiro, 90 milhões, em ação ainda, aliás, quase duzentos, se a gente reeditar a belíssima marcha que ia ser jingle de patrocinador de rádio (o rádio, aos domingos, no Aterro, assovio...) e virou o quase-hino novo do Brasil, a palavra duzentos caberá direito na métrica original, 200 milhões em ação, pra frente, Brasil, do meu coração, todos juntos, vamos, palavras, no papel, picado, folhas e vento, Brasil em vão, 2006, ano em que seremos felizes (saravá e shalom e salam e paz). "

Arnaldo Bloch

postado por Rodrigo às 8:49 AM |


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